Morrer de fronteira. Acontece há vinte anos ao longo das fronteiras da Europa. São, sobretudo, naufrágios, mas não faltam acidentes rodoviários; mortos à mingua no deserto ou entre a neve nas passagens montanhosas; vítimas de explosões nos últimos campos minados da Grécia, de disparos do exército turco ou da violência da polícia na Líbia. Fortress Europe é uma revista digital que desde de 1988 registra a memória das vítimas da fronteira: 19.144 mortos documentados, entre os quais 8.822 desaparecidos.
No Mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico na zona das Canárias, afogaram-se 14.309 pessoas. Metade dos despojos (8.822) nunca foram recuperados. No Canal da Sicília, entre Líbia, Egito, Tunísia, Malta e Itália as vítimas somam 6.837, entre as quais 5.086 são desaparecidos. Outras 229 pessoas morreram navegando da Argélia para a Sardenha. Ao longo das rotas que vão do Marrocos, da Argélia, do Sahara ocidental, da Mauritânia e do Senegal para a Espanha, dirigindo-se para as Ilhas Canárias ou atravessando o estreito de Gibaltrar, morreram pelo menos 4.899 pessoas, das quais 2.462 resultam desaparecidas. No Mar Egeu, entre a Turquia e a Grécia, perderam a vida 1.504 migrantes, entre os quais 842 desaparecidos. Por fim, no Mar Adriático, entre Albânia, Montenegro e Itália, nos anos passados morreram 705 pessoas, das quais 314 desaparecidos. O mar não se atraversa somente nas “embarcações da sorte”, mas também nos barcos de passageiros e de carga mercantis, onde, frequentemente, viajam muitos migrantes escondidos nos porões ou em containers. Também alí, as condições de segurança são terríveis: 160 mortos certificados por sufocação ou afogamento.
Para quem parte do sul, o Sahara é uma passagem perigosa e obrigatória para chegar no mar. O grande deserto separa a África ocidental e a ponta nordeste da África do Mediterrâneo. Os imigrantes atravessam essa zona sobre caminhões e camionetes que passam continuamente nas pistas entre Sudão, Chad, Niger e Mali, de um lado, e Líbia e Argélia, do outro. Nesta região, desde 1996, morreram pelo menos 1.703 pessoas. Mas, considerando os testemunhos dos sobreviventes, toda viagem conta com pelo menos uma morte. O que sugeriria a estimativa incompleta dos números registrados na imprensa se comparada aos números reais de vítimas. Entre os mortos estão ainda as vítimas das deportações coletivas praticadas pelos governos de Trípoli, Argélia e Rabat. Há anos, estes governos estão habituados a abandonar grupos de centenas de pessoas nas zonas fronteiriças em pleno deserto.
Na Líbia, também são registrados constantemente graves episódios de violência contra migrantes. Não existem dados sobre a crônica negra. Em 2006, Human Rights Watch e Afvic acusaram Trípoli de prisões arbitrárias e torturas nos centros de detenção para estrangeiros, os quais teriam sido financiados pela Itália. Em setembro de 2000, em Zawiyah, noroeste do país, foram mortos pelo menos 560 migrantes no decorrer de rebeliões racistas da parte da população branca líbia.
Viajando escondidos nos caminhões, 372 pessoas perderam a vida em acidentes nas estradas, sufocadas ou esmagadas pelo peso das mercadorias. E, pelo menos, 413 migrantes afogaram-se atravessando os rios limítrofes: a maior parte no Oder-Neisse, entre Polônia e Alemanha; no Evros, entre Turquia e Grécia; no Sava, entre Bósnia e Croácia; e no Morava, entre Eslováquia e República Tcheca. Outras 114 pessoas morreram de frio percorrendo a pé as passagens das fronteiras, sobretudo na Turquia e na Grécia. No norte-oriental da Grécia, divisa com a Turquia, na província de Evros, ainda existem os campos minados. Nesta região, 92 pessoas foram vítimas tentando atravessar a pé a fronteira
Sob disparos da polícia de fronteira, morreram assasinados 294 migrantes. Destes, 38 somente em Ceuta e Melilla, os dois enclaves espanhóis no Marrocos; 50 em Gambia; 94 no Egito e outros 32 nas divisas turcas com Iram e Iraque. Matam também os procedimentos de explusão na França e na Bélgica, Alemanha, Espanha, Suiça e o deslocamento para fora da Europa dos controles das fronteiras, como ocorre já no Marrocos e na Líbia. Outras 41 pessoas morreram congeladas, viajando escondidas nos vãos dos trens de aterrizagem dos aviões direcionados para as escalas européias. E outros 29 perderam a vida viajando escondidos debaixo dos trens que atraversam o túnel da Mancha para chegar na Inglaterra, caindo ao longo dos trilhos ou eletrocutados quando saltavam a rede elétrica do terminal francês; mais de 12 mortos atropelados pelos trens em outras fronteiras e 3 afogados no Canal da Mancha
MAIO 2008 – Cada vez que entro na água sinto uma angústia de dar frio no estômago. E penso que isso não seja, de maneira alguma, normal. Avanço com cautela, numa pequena baía de Samos. Estou descalço. E tenho medo de tocar um cadáver debaixo d´água. As fotografias de duas crianças tiradas d´água que me mostraram na semana passada em Levos, na Grécia, me vêm à mente. Também os relatos dos pescadores e a crônica do último mês, que falava de pelo menos 112 mortos nas rotas para a Europa, dos quais 102 somente no Canal da Sicília [...]
No Mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico na zona das Canárias, afogaram-se 14.309 pessoas. Metade dos despojos (8.822) nunca foram recuperados. No Canal da Sicília, entre Líbia, Egito, Tunísia, Malta e Itália as vítimas somam 6.837, entre as quais 5.086 são desaparecidos. Outras 229 pessoas morreram navegando da Argélia para a Sardenha. Ao longo das rotas que vão do Marrocos, da Argélia, do Sahara ocidental, da Mauritânia e do Senegal para a Espanha, dirigindo-se para as Ilhas Canárias ou atravessando o estreito de Gibaltrar, morreram pelo menos 4.899 pessoas, das quais 2.462 resultam desaparecidas. No Mar Egeu, entre a Turquia e a Grécia, perderam a vida 1.504 migrantes, entre os quais 842 desaparecidos. Por fim, no Mar Adriático, entre Albânia, Montenegro e Itália, nos anos passados morreram 705 pessoas, das quais 314 desaparecidos. O mar não se atraversa somente nas “embarcações da sorte”, mas também nos barcos de passageiros e de carga mercantis, onde, frequentemente, viajam muitos migrantes escondidos nos porões ou em containers. Também alí, as condições de segurança são terríveis: 160 mortos certificados por sufocação ou afogamento.
Para quem parte do sul, o Sahara é uma passagem perigosa e obrigatória para chegar no mar. O grande deserto separa a África ocidental e a ponta nordeste da África do Mediterrâneo. Os imigrantes atravessam essa zona sobre caminhões e camionetes que passam continuamente nas pistas entre Sudão, Chad, Niger e Mali, de um lado, e Líbia e Argélia, do outro. Nesta região, desde 1996, morreram pelo menos 1.703 pessoas. Mas, considerando os testemunhos dos sobreviventes, toda viagem conta com pelo menos uma morte. O que sugeriria a estimativa incompleta dos números registrados na imprensa se comparada aos números reais de vítimas. Entre os mortos estão ainda as vítimas das deportações coletivas praticadas pelos governos de Trípoli, Argélia e Rabat. Há anos, estes governos estão habituados a abandonar grupos de centenas de pessoas nas zonas fronteiriças em pleno deserto.
Na Líbia, também são registrados constantemente graves episódios de violência contra migrantes. Não existem dados sobre a crônica negra. Em 2006, Human Rights Watch e Afvic acusaram Trípoli de prisões arbitrárias e torturas nos centros de detenção para estrangeiros, os quais teriam sido financiados pela Itália. Em setembro de 2000, em Zawiyah, noroeste do país, foram mortos pelo menos 560 migrantes no decorrer de rebeliões racistas da parte da população branca líbia.
Viajando escondidos nos caminhões, 372 pessoas perderam a vida em acidentes nas estradas, sufocadas ou esmagadas pelo peso das mercadorias. E, pelo menos, 413 migrantes afogaram-se atravessando os rios limítrofes: a maior parte no Oder-Neisse, entre Polônia e Alemanha; no Evros, entre Turquia e Grécia; no Sava, entre Bósnia e Croácia; e no Morava, entre Eslováquia e República Tcheca. Outras 114 pessoas morreram de frio percorrendo a pé as passagens das fronteiras, sobretudo na Turquia e na Grécia. No norte-oriental da Grécia, divisa com a Turquia, na província de Evros, ainda existem os campos minados. Nesta região, 92 pessoas foram vítimas tentando atravessar a pé a fronteira
Sob disparos da polícia de fronteira, morreram assasinados 294 migrantes. Destes, 38 somente em Ceuta e Melilla, os dois enclaves espanhóis no Marrocos; 50 em Gambia; 94 no Egito e outros 32 nas divisas turcas com Iram e Iraque. Matam também os procedimentos de explusão na França e na Bélgica, Alemanha, Espanha, Suiça e o deslocamento para fora da Europa dos controles das fronteiras, como ocorre já no Marrocos e na Líbia. Outras 41 pessoas morreram congeladas, viajando escondidas nos vãos dos trens de aterrizagem dos aviões direcionados para as escalas européias. E outros 29 perderam a vida viajando escondidos debaixo dos trens que atraversam o túnel da Mancha para chegar na Inglaterra, caindo ao longo dos trilhos ou eletrocutados quando saltavam a rede elétrica do terminal francês; mais de 12 mortos atropelados pelos trens em outras fronteiras e 3 afogados no Canal da Mancha
MAIO 2008 – Cada vez que entro na água sinto uma angústia de dar frio no estômago. E penso que isso não seja, de maneira alguma, normal. Avanço com cautela, numa pequena baía de Samos. Estou descalço. E tenho medo de tocar um cadáver debaixo d´água. As fotografias de duas crianças tiradas d´água que me mostraram na semana passada em Levos, na Grécia, me vêm à mente. Também os relatos dos pescadores e a crônica do último mês, que falava de pelo menos 112 mortos nas rotas para a Europa, dos quais 102 somente no Canal da Sicília [...]